“A arte marajoara representa a produção artística, sobretudo em cerâmica, dos habitantes da Ilha de Marajó, no Pará, considerada a mais antiga arte cerâmica do Brasil e uma das mais antigas das Américas”. As pesquisas realizadas pelos arqueólogos Betty Meggers (1921) e Clifford Evans (1920-1981), entre as décadas de 1940 e 1960, identificam distintas tradições cerâmicas amazônicas pelos tipos de decoração empregados. A hachurada, que remonta às primeiras ocupações da ilha, pelos ananatubas, ceramistas mais antigos da região (primeiro milênio a.C.); a borda-incisa, característica da região do Solimões; a inciso-ponteada, do baixo e médio Amazonas; a de Santarém, atribuída aos índios tapajós; e a policrômica, notável pela riqueza da decoração, complexidade de motivos, uso de cores (vermelha, branca e preta) e técnicas variadas, como modelagem, incisão e excisão. A essa tradição pertence a fase marajoara dos povos que se instalam na ilha, na região do lago Arari.
O período conhecido então como a "fase marajoara da tradição policrômica da cerâmica amazônica" (datada de 400 a 1350 de nossa era) caracteriza-se pela ampla e sofisticada quantidade de objetos rituais, utilitários e decorativos produzida por antigos ocupantes da Ilha de Marajó, na época em que se formam os grandes cacicados. São confeccionados vasilhas, potes, urnas funerárias, tangas (ou tapa-sexo), chocalhos, estatuetas, bancos etc., que podem ser acromáticos ou cromáticos e zoomorfizados ou antropomorfizados. De modo geral, a cerâmica marajoara apresenta padrões decorativos com desenhos labirínticos e repetitivos, traços gráficos simétricos, em baixo ou alto-relevo, além de entalhes e aplicações.
As controvérsias em torno da
origem da cultura marajoara se sucedem. Alguns estudiosos indicam que ela se inicia
com grupos em alto estágio de desenvolvimento que emigram de outras regiões da
América do Sul, provavelmente da área subandina, para a Ilha de Marajó. Outros
sugerem ter a cultura marajoara se originado localmente, fruto de mudanças
culturais ocorridas entre as populações que habitavam anteriormente a ilha.
Divergências à parte, sabe-se que os grupos responsáveis pela cerâmica
marajoara da tradição policrômica concentram-se nas regiões baixas e alagadiças
ao redor do lago Arari, onde constroem grandes aterros artificiais (alguns com
mais de 10 metros de altura e 200 metros de comprimento) para habitação,
cemitérios e realização de cerimônias. Nesses sítios os arqueólogos encontram
vestígios de ocupação e ampla produção cerâmica que estimam ter sido realizada
por artesãos especializados. Desse conjunto - bancos, miniaturas, estátuas,
adornos labiais e auriculares etc. - destacam-se peças mortuárias e urnas
funerárias, em geral encontradas com ossos e objetos pessoais. Altamente
decoradas, essas peças rituais retratam imagens estilizadas de humanos e
animais - muitas vezes, corujas e aves noturnas - como expressão de mitos e
crenças. A representação de órgãos sexuais deixa entrever se as urnas são
feitas para mulheres ou para homens. Símbolos geométricos e padrões simétricos
são os motivos decorativos mais usuais. Representações femininas são
recorrentes não apenas nos potes funerários, mas também nas estatuetas, podendo
aparecer figuras ancestrais ou míticas, simultaneamente com traços animais e
humanos.
As estatuetas são muito
utilizadas nos ritos e danças, fazendo as vezes de chocalho ou de amuleto.
Esses muiraquitãs, alternam a forma de
mulher acocorada, em posição de parto, ou de animais. São freqüentes as
estatuetas que combinam traços masculinos e femininos, sem a cabeça. Qualquer
que seja o formato escolhido, a decoração é sempre abundante, com variados
motivos geométricos, empregados de modo regular e padronizado. As tangas,
objetos triangulares de cerâmica utilizadas por meninos e meninas em situações
cerimoniais, geralmente trazem campos decorativos demarcados, o que indica, uma
vez mais, as regras definidas que presidem a composição da cerâmica marajoara.
A fase marajoara termina em torno
de 1350, abandonada ou absorvida pelos novos migrantes, os aruãs, presentes na
ilha na chegada dos europeus. A cerâmica marajoara pode ser conhecida por meio
das grandes coleções do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém; Museu Nacional,
no Rio de Janeiro; Museu de Arqueologia e Etonologia da Universidade de São Paulo
(MAE/USP), em São Paulo; além de museus fora do Brasil, como o American Museum
of Natural History, em Nova York, e o Barbier - Mueller, em Genebra.
Os traços simétricos e cores da
decoração marajoara podem ser encontrados até hoje no artesanato local de Belém
e da Ilha de Marajó. Diversos artesãos, sobretudo no distrito de Icoaraci,
Belém, dedicam-se à preservação e renovação da cultura marajoara. Fala-se ainda
em um estilo marajoara aplicado à arquitetura e à pintura decorativa, que
eclode em Belém acompanhando o boom da borracha, entre 1850 e 1910.
Incorporações de aspectos do art nouveau mesclam-se, no estilo decorativo
marajoara, às representações da natureza e do homem amazônicos e aos grafismos
da arte marajoara tradicional, como indicam as peças de Theodoro Braga
(1872-1953) e os trabalhos do português Correia Dias (1892-1935).
Notas
Muiraquitã-Artefato entalhado em
pedra (especialmente jade, pela cor esverdeada) ou madeira, representando
pessoas ou animais (rã, peixe, tartaruga etc.), ao qual são atribuídas as
qualidades sobrenaturais de amuleto.
Fonte; Enciclopédia Itaú Cultural / Fotos; David Belém
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