Construção de hidrelétrica vira pesadelo para quem vive do rio
Sem energia elétrica, diversas etnias indígenas viveram
na Floresta Amazônicas por vários séculos. Ainda hoje existem várias aldeias às
margens dos rios Juruena, Teles Pires e Tapajós
Gente que sempre viveu da floresta e do rio. A Vila Rayol é
uma pequena comunidade onde vivem 40 pessoas de uma mesma família. Gente de
vida simples. Moradores de casas de taipa. Gente que possui a própria escola
para poucos alunos. Brasileiros que vivem sem energia elétrica até hoje, mas
não trocam essa vida por outra.
“Aqui está bom para mim. Estou aqui há muito tempo”, reforça
o pescador Sebastião dos Santos.
Para eles, a construção da usina de São Luiz é quase um
pesadelo. “O medo da gente não é do rio secar, não é do rio em si. É de a gente
ficar à toa”, teme o pescador Francisco Pires da Silva.
Sem energia elétrica, diversas etnias indígenas viveram
nessa região por vários séculos. Ainda hoje existem várias aldeias às margens
dos rios Juruena, Teles Pires e Tapajós.
“A gente está preocupado, porque a gente não tem para onde
ir. É tudo tão fácil para nós. A gente pega um peixe, é fácil. E quer fazer uma
rocinha, tem o lugar para fazer”, desabafa o índio apiacá Ovídio Pereira.
Desses índios, muito pouco se conhece da história. Assim
como as folhas das árvores escondem os pássaros, as folhas secas, mortas no
chão, às vezes escondem também a história. Afastando uma camada superficial,
encontramos uma terra escura, que os arqueólogos chamam de terra preta
arqueológica. É um indicativo de que toda a área já foi uma aldeia indígena.
Cavando um pouco, encontramos cacos da história, pedaços de vasos, alguns
decorados e outros utensílios. Difícil saber qual etnia indígena existia no
local, já que a região tem índios tapajós, mundurucus, caiabís e apiacás. É
provável que uma árvore enorme que existe no local não existia quando os índios
estavam ali.
Até agora, já foram encontrados nessa região 26 sítios
arqueológicos. A construção das barragens vai afetar os índios remanescentes e
também a história deles.
“As informações passadas para nós é de que 90% vão ficar
embaixo d'água”, alerta José Sales de Souza, chefe substituto do Parque Nacional
da Amazônia.
Madrugada na Floresta Amazônica. Em um alagado, troncos
secos parecem sem vida. Na verdade, abrigam uma espécie que pode ser
considerada a mais brasileira das aves. Quando o dia ainda não é dia e a noite
não se foi totalmente, decolam. Assim, as ararajubas iniciam o dia. Evitam os
predadores diurnos e noturnos, no momento em que são mais lentas. E, em
segundos, desaparecem pela floresta. Fora do período de reprodução, passam o
dia inteiro na mata se alimentando.
Diversidade de
animais ajuda a manter a Floresta Amazônica viva
Os macacos e os passarinhos ingerem sementes que são espalhadas pela floresta. Sem saberem, ajudam na preservação da mata
Quanto tempo a natureza levou para formar uma floresta. E
quanta água é necessária para regá-la. Temporais na floresta são sempre de
impressionar. Surgem de repente e, da mesma forma, se desfazem. Com um milhão
de hectares, o Parque Nacional da Amazônia é uma das reservas mais importantes
do país. Ninguém sabe ao certo quantas espécies vivem no lugar.
A floresta, com toda a variedade de árvores, oferece
alimento para todos os meses do ano. Os macacos só precisam procurar. Quando os
cairaras comem, ingerem sementes que são transportadas e voltam para o solo em
outras áreas já adubadas com as fezes. Ou seja, os macacos não sabem, mas, ao
dispersarem sementes, ajudam na renovação da floresta.
Essa dispersão também é feita por várias espécies de aves
que regurgitam ou defecam sementes. Algumas delas só germinam após passar pela
digestão nas aves. Esses são exemplos que mostram que as partes sempre
colaboram para o todo. A diversidade da vida trabalha sempre pela unidade. Na
equilibrada teia da vida, todos estão ligados. Cada parte depende de outra. Se
uma é afetada, o efeito segue em cascata. Nós, humanos, não nos excluímos
disso.
“A primeira coisa que acontece quando há um barramento,
cobre uma quantidade de matéria orgânica muito grande. Essa sedificação vai
fazer desaparecer uma quantidade muito grande de espécie de plancto que serve
de alimento para larvas de peixes e outros peixes que se alimentam também de
insetos aquáticos, que são vetores de doenças como, por exemplo, a dengue,
malária e muitas outras”, explica o pesquisador Paulo Ceccarelli. Ou seja,
tirando o plancto, diminui-se a quantidade de peixes e a proliferação de
mosquitos pode aumentar. “Muitas doenças vão chegar à cidade.”
A vida é equilibrada. Mas, antes de tudo, sensível.
Peixes enfrentam obstáculos criados pelas barragens para migrar
A estimativa é de que no Rio Jamanxim, um grande afluente
do Tapajós, existam cerca de 400 espécies de peixes
A estimativa é de que na região existam cerca de 400
espécies de peixes. Do alto, tudo parece fácil. Já por terra, haja esforço. Nos
igarapés, os pesquisadores lembram garimpeiros.
Pouco a pouco, nas redes e peneiras, aparecem as joias do
rio sempre bem vivas. Peixes do tamanho de uma unha. Outros, transparentes.
Alguns nem mesmo são conhecidos.
Com as barragens, mesmo com a construção de escadas para a
subida dos peixes, muitas espécies não conseguem alcançar a parte de cima do
rio. Os peixes de escama são capazes de saltar cachoeiras naturais, mas os
peixes de couro procuram canais para subir pelo fundo do rio e alcançar a parte
de cima. Essa é uma condição que usina nenhuma consegue reproduzir. O resultado
é que muitas espécies ficam condenadas a desaparecer.
“O ideal seria que essas barragens não existissem mais. O
fato é que o país necessita dessa geração de energia. Esse processo se agrava
tremendamente quando consideramos esta sucessão de reservatórios em um
ecossistema. Esses estudos são fundamentais dentro da ideia de buscar minimizar
esses impactos”, ressalta Laerte Batista Alves.
Reservatórios de
usinas no Norte ocuparão área 3 vezes maior que São Paulo
Todo rio nasce pequeno, cresce e segue para o mar. Para se
produzir energia, é preciso barrar essa sequência natural. O Rio Tapajós é um
dos mais bonitos da região amazônica. No local, vai ser construída a usina de
São Luiz, uma das 22 usinas previstas para região Norte até o ano de 2019.
Represar rios com barragens pode trazer desenvolvimento, mas tem dois custos:
um econômico e outro ecológico que ninguém consegue calcular. Só a construção
desta usina vai alagar parte de uma reserva, o Parque Nacional da Amazônia.
A construção de usinas nessa região começa nos rios que
formam o Tapajós. No Teles Pires estão previstas quatro. No Juruena, cinco. No
Tapajós, três usinas: Jatobá, São Luiz e Chacorão. E no Rio Jamanxim, mais
quatro. Os reservatórios dessas usinas, se somados, vão ocupar uma área de cerca
de cinco mil quilômetros quadrados. Praticamente três vezes o tamanho da cidade
de São Paulo.
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